Resenha do artigo "Ambientalização das lutas sociais - o caso do movimento por justiça social".
A ciência identificou os limites planetários dentro dos quais os seres humanos poderiam operar seguramente, e alertou que atravessar esses limiares seria adentrar uma zona ambiental de risco. Dentre as fronteiras planetárias três demarcações foram ultrapassadas: perda da biodiversidade, mudança climática e ciclo de nitrogênio (ROCKSTRÖM et al., 2016).
Houve um aumento drástico na velocidade dos processos
sociais, de forma que os fenômenos físicos são modificados pela ação humana em
um ritmo jamais visto, com o aumento do consumo, contaminação das águas,
diminuição da biodiversidade, instabilidade das mudanças climáticas e temperaturas
etc. vemos que há uma parte da população que sofre mais as consequências das operacionalizações
econômicas.
Há, contudo, um conjunto
diversificado de organizações envolvidas no debate ambiental, desde entidades
ambientalistas internacionais a ONG’s e grupos de base associados a condições
específicas. Todas sempre caem em uma questão: como se engajar em lutas
ambientais sem deslegitimar a pobreza e a desigualdade que assola uma grande
parte da população? Nas palavras do autor: “como dar um tratamento lógico e
socialmente aceitável, às implicações ambientais das lutas contra a
desigualdade social e pelo desenvolvimento econômico? ” (ACSELRAD, 2010, p.104).
Foi assim que a ideia de “justiça
ambiental” surge e é a partir dos anos 2000, que entidades e movimentos no
Brasil começaram a se associar com noções de “justiça ambiental”, mais
envolvidos em discussões críticas de políticas públicas do que necessariamente
um auxílio técnico a empresas e governos.
Para entender melhor esse
movimento, antes é necessário entender que “a noção de “justiça ambiental”
exprime um movimento de ressignificação da questão ambiental” (ACSELRAD, 2010, p.
108). Mas o que seria ressignificação da questão ambiental?
Na história recente, o primeiro conceito
constituiu um movimento de reflexões sobre o estilo de vida que se apropriou do
mundo material. Já o segundo pensava mais um sentido utilitário de que após
décadas de crescimento econômico nos países capitalista, houve uma preocupação
em economizar recursos em energia e matéria com o objetivo na continuidade de
acumulação do capital. Nas palavras do economista Georgescu-Roegen:
“Economizar quantidades de matéria e energia
apenas retarda o problema. Não caberia só economizar recursos, mas se perguntar
sobre as razões pelas quais nos apropriamos da matéria e energia” (2010, p.
108).
Por um lado, temos a razão utilitária (os tais
“modernizadores ecológicos”) que vê o meio ambiente como composto de recursos
materiais, feito de quantidades e não sobre fins para os quais a sociedade se
apropria. Uma espécie de fonte de abastecimento do capital em insumos
materiais; assim, dado esse ambiente único, instrumento de acumulação de
riqueza, a poluição é vista como “democrática”. Já a razão cultural vê o meio
ambiente como múltiplo em qualidades socioculturais, de forma que não há
ambiente sem sujeito. Isso significa que ele possui diferentes faces de acordo
com as diferentes sociedades que o habitam. Desse modo, questões ambientais e
seus riscos é distribuído de forma desigual. Dado esse fato, “o ambiente de
certos sujeitos sociais prevalece sobre os outros” (pg.109). Claramente a
poluição não é “democrática”. De acordo com uma análise feita pela Human Development
Report (2016), por exemplo, as emissões de Dióxido de Carbono nos países em
desenvolvimento são de 3,3 toneladas per capita, enquanto que em países da OCDE
é de 9,9 toneladas per capita. Mas a população que sofre o efeito de tais emissões
não as mesmas que mais emitem.
É comum perceber que em locais
onde há periferias há instalações ambientalmente indesejáveis (pois são nesses
lugares que a população de baixa renda consegue construir). A desigualdade
resulta de menor capacidade desses moradores de se fazerem ouvir nas esferas
decisórias; há uma grande desinformação pelo qual os trabalhadores de baixa
renda são vítimas de contaminação produtiva sem mesmo saber; e há até vítimas
de despossessão de recursos ambientais - fertilidade do solos, recursos
hídricos e assim como territórios essenciais à reprodução identitária que com
os empreendimentos produtivos desestabilizam as práticas tradicionais de
determinada população (ACSELRAD, 2010, p.114).
Portanto, a partir do diagnóstico de que a
injustiça ambiental e a degradação ambiental tem a mesma raiz, é equitativo
concluir que se deve alterar o modo desigual de distribuição e retirar o poder
sobre os recursos materiais dos “modernizadores ecológicos” para o
desenvolvimento dos mais despossuídos.
Nas ciências sociais, a noção de desigualdade
ambiental tem um peso teórico. Murphy (1994) vê as sociedades como uma
estruturação crescente em “classes ambientais” - ou seja, as que ganham com a
degradação e as que pagam com a consequência de seus riscos. Peter Newell
(2005) ainda destaca que “as clivagens políticas e sociais de raça, classe e
gênero são chave para o entendimento da organização global da desigualdade
ambiental” (ACSELRAD, 2010, p. 110).
A questão do autor é que a
desigualdade se mostra quando
“(...) para a monocultura do
eucalipto, perdem os quilombolas suas terras e fontes de água; como, para a
expansão da soja transgênica, são inviabilizadas as atividades dos pequenos
agricultores orgânicos; como, por causa da produção de fungos do Tocantins sua
capacidade de pescar; como, para a produção de petroquímicos, perdem os
trabalhadores sua saúde pela contaminação por poluentes orgânicos persistentes”
(ACSELRAD, 2010, p.111).
A “justiça ambiental” não quer a poluição sendo
dividida da mesma forma, quer a participação das comunidades, como uma noção
emergente que integra o processo histórico de construção subjetiva da cultura
dos direitos. É uma forma de denunciar a lógica que acreditam vigorar “sempre
no quintal do pobre” (ACSELRAD, 2010, p. 111).
De forma mais resumida a “justiça
ambiental” pretende (ACSELRAD,2010, p. 112):
⁃ Assegurar que nenhum grupo
social tenha que sofrer as consequências ambientais negativas de operações
econômicas;
⁃ Assegurar o acesso equitativo aos recursos
ambientais;
⁃ Assegurar acesso às informações relevantes
sobre o uso dos recursos, bem como localização de áreas de risco;
⁃ Dar espaço aos movimentos para serem
protagonistas na construção de modelos de desenvolvimento quando estes são os
principais afetados pelas operações.
Sobretudo, enquanto os riscos ambientais serem
atribuídos apenas aos mais pobres e puderem ser transferidos apenas à eles, a
pressão sob o meio ambiente não cessará. Em outras palavras: para barrar a
pressão destrutiva sobre o ambiente de todos, é preciso começar protegendo os
mais fracos (por serem esses o que não tem vozes nas esferas decisórias). De
modo a fazer do Brasil um espaço de construção de justiça e não apenas da razão
utilitária do mercado. (ACSELRAD, 2010, p.115).
Bibliografia:
ACSELRAD, Henri. Ambientalização
das lutas sociais - o caso do movimento por justiça social. Estudos Avançados 24 (68), 2010.
PNUD. Human
Development Report, 2016.
ROCKSTRÖM, J.
A vida no limite. Disponível em WWF Planeta Vivo Relatório,
2016.
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